A síndrome da felicidade
Autor: DeRose DeRose
DeRose
Quando comecei a lecionar Yôga, era muito jovem e o
caldo de cultura onde o Yôga fermentava era de pessoas espiritualistas,
idosas e preconceituosas. Enquanto não conquistei o reconhecimento fora
do país e enquanto não fui à Índia durante mais de 20 anos
consecutivos, a comunidade relutou em acatar a sistematização do
SwáSthya Yôga.
Isso foi extremamente útil, pois descobri que
quanto mais me pressionavam, mais força eclodia para reagir e mais
realizações afloravam. Desfrutava até de um certo estímulo ao vencer os
obstáculos que eram impostos pelos instrutores de yóga mais velhos. Por
outro lado, nos períodos em que estava tudo bem, acomodava-me. Se esse
período de bonança se prolongava, sentia alguma nostalgia.
Comecei a observar as outras pessoas e notei que a maioria reage da mesma forma. Então elaborei a teoria da Síndrome da Felicidade, a qual contribuiu bastante para que pudesse ajudar aos demais em seus conflitos existenciais, conjugais, etc.
A teoria baseia-se no fato de que o ser humano é um
animal em transição evolutiva e que, nos seus milhões de anos de
evolução, somente há uns míseros dez mil anos começou a construir aquilo
que viria a ser a civilização. E só nos últimos séculos, sentiu o gosto
amargo das restrições impostas como tributo dessa aventura.
Como animais, temos nossos instintos de luta, os
quais compreendem dispositivos de incentivo e recompensa pela sensação
emocional e mesmo fisiológica de satisfação cada vez que vencemos, quer
pela luta, quer pela fuga (a fuga também é uma forma de vitória, já que o
animal conseguiu vencer na corrida ou na estratégia de fuga; e seu
predador foi derrotado, uma vez que não o conseguiu alcançar).
Numa situação de perigo, o instinto ordena lutar ou
fugir. Quando acatamos essa necessidade psico-orgânica, o resultado na
maior parte das vezes, é a saúde e a satisfação que se instala no
estágio posterior.
Se não é possível fugir nem lutar, desencadeiam-se estados de stress
que conduzem a um leque de distúrbios fisiológicos diversos. Isto tudo
já foi exaustivamente estudado em laboratório e divulgado noutras obras.
O que introduzimos na teoria da Síndrome da Felicidade
é a descoberta de um fenômeno quase inverso ao que foi descrito e que
os pesquisadores ainda não situaram a contento. Trata-se daquela
circunstância mais ou menos duradoura na qual não há necessidade de
lutar nem de fugir porque está tudo bem. Bem demais, por tempo demais.
Isso geralmente acontece com maior incidência nos
países de grande segurança social e numa proporção assustadora nas
famílias mais abastadas.
O dispositivo de premiação com a sensação de
vitória, sua consequente euforia e auto-valorização por ter vencido na
luta ou na fuga, tal dispositivo em algumas pessoas não é acionado com a
frequência necessária. Como consequência o animal sente falta – afinal é
um mecanismo que existe para ser usado, mas não o está sendo – e,
então, ele cai em depressão.
Se quisermos considerar o lado fisiológico do
fenômeno, podemos atribuir a depressão à falta de um hormônio, ainda não
descoberto cientificamente, que denominei endoestimulina, e
que o organismo para de segregar se não precisa lutar nem fugir por um
período mais ou menos longo, variável de uma pessoa para outra.
O cachorro doméstico entra em depressão, mas não
sabe por quê. A dona do cãozinho também não sabe a causa da sua própria
depressão, já que o processo é inconsciente, porém, seu cérebro, mais
sofisticado do que o do cão, racionaliza, isto é, elabora uma
justificativa e atribui sua profunda insatisfação a causas irrelevantes.
Não adiantará satisfazer uma suposta carência, imaginariamente
responsável pela insatisfação ou depressão: outra surgirá em seguida
para lhe ocupar o lugar e permitir a continuidade da falsa
justificativa. O exemplo acima poderia ser com pessoas de ambos os sexos
e todas as idades, mas, para ocorrer, é preciso que a pessoa seja
feliz.
Resumindo, quando o ser humano está tendo que lutar
por alguma coisa não há espaço em sua mente para se sentir infeliz. Se
ele não pode lutar nem fugir, primeiro sobrevêm reações violentas;
depois, a apatia e a somatização de várias doenças. Mas se está tudo
bem, bem demais, por tempo demais, o indivíduo começa a sentir
infelicidade por falta do estímulo de perigo-luta-e-recompensa.
Como isso ocorre em nível do inconsciente, a pessoa tenta justificar
sua infelicidade, atribuindo-a a coisas que não teriam o mínimo efeito
depressivo em alguém que estivesse lutando contra a adversidade.
Exemplos:
· Na
Escandinávia, onde a população conta com uma das melhores estruturas de
conforto, paz social, segurança pessoal e estabilidade econômica, é onde
se verifica um dos maiores índices de depressão e suicídio no mundo. No
Vietnam, onde as pessoas, durante a guerra, teriam boas razões para
abdicar da vida, o índice de suicídios foi quase nulo.
· Os
países mais civilizados que não teriam motivos para passeatas e
agitações populares, pois nada há a reclamar dos seus governos, com
alguma frequência realizam as mesmas manifestações, mas agora com outros
pretextos, tais como a ecologia, o pacifismo ou a defesa dos direitos
humanos na América do Sul.
· O
movimento em defesa dos direitos da mulher surgiu justamente no país
onde as mulheres tinham mais direitos e eram mesmo mais poderosas que os
homens. Lá, onde tradicionalmente se reconhece a ascendência da esposa,
justo lá, foi onde as mulheres reclamaram contra sua falta de liberdade
e de igualdade. Já na Itália, Espanha, Portugal, América Latina, Ásia,
países muçulmanos e outros onde a mulher poderia ter motivos na época
para reclamar, em nenhum deles ela se sentiu tão violentamente
prejudicada nos seus direitos.
Assim, sempre que algum aluno ou aluna vinha chorar as mágoas, explicava-lhe nossa teoria da Síndrome da Felicidade e concluía dizendo:
– Se você se sente infeliz sem razão, ou o
atribui a essas razões tão pequenas, talvez seja porque você é feliz
demais e não está conseguindo metabolizar sua felicidade. Algo como
indigestão por excesso de felicidade. Pense nisso e pare de reclamar da
vida. Procure algum ideal, arte, filantropia e comece a ter que lutar
por isso. Nunca mais precisará tomar Prozac.
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